MESENTÉRIO E INTERSTÍCIO: NOVOS ÓRGÃOS?


Nos anos 2017 e 2018, a mídia divulgou a descoberta de dois novos órgãos, o mesentério e o interstício, respectivamente. Mas, o que é considerado um órgão nas ciências morfofuncionais?
De acordo com o livro Princípios de Anatomia Humana, órgãos são estruturas compostas por dois ou mais tipos diferentes de tecidos; desempenham funções específicas e, habitualmente, possuem formas reconhecíveis. Por sua vez, tecidos são grupos de células e os materiais em torno deles que atuam em conjunto para executar uma função específica.
A notícia divulgada em 2017 foi originada da publicação de um artigo de revisão na revista The lancet Gastroenterology & hepatology que traz a sugestão de enquadrar o mesentério como um órgão, uma vez que apresenta algumas características anatômicas e funcionais próprias.
De acordo com o artigo citado, o mesentério, estrutura compactamente dobrada em conformação espiral que emerge pela raiz mesentérica e estende-se radialmente à margem intestinal, possui elementos histológicos fundamentais, sendo eles: o mesotélio, a malha de tecido conjuntivo e populações de adipócitos alojados nos interstícios da rede. Além disso, apresenta funções únicas como: suspensão de grande parte dos intestinos da parede abdominal posterior, prevenindo seu colapso na pelve quando colocado na posição vertical; auxílio no trânsito intestinal; regulação da migração de células B, células T, células Natural Killer e células dendríticas nas proximidades da mucosa intestinal; produção de proteína C reativa, a qual regula o metabolismo lipídico e da glicemia; e contribuição na regulação das cascatas sistêmicas fibrinolítica, inflamatória e de coagulação.
Contudo, há muitas controvérsias sobre a ideia de que o mesentério seja considerado um órgão. Por exemplo, o professor Eduardo Cotecchia Ribeiro da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo, em uma matéria publicada na Sociedade Brasileira de Anatomia diz: "Deixando a polêmica de lado e considerando o conceito clássico de órgão, então devemos entender e aceitar as túnicas do corpo como sendo órgãos constituídos por dois tipos de tecidos. Assim, o órgão é o peritônio todo e não somente uma de suas diversas projeções, a exemplo do mesentério destacado pelos autores irlandeses. Portanto, não compartilho com a visão dos referidos colegas. E mais, se eles propõem considerar o mesentério isolado e classificá-lo como órgão, deveriam também incluir os demais mesos que têm as mesmas características morfológicas de estrutura e função (mesocolo transverso, mesocolo sigmoide, mesoapêndice, mesovário, e até os omentos). Por que não?"
Já em 2018, a notícia de que o interstício poderia ser considerado um órgão veio à tona através da revista Scientific Reports. Um grupo de pesquisadores, ao utilizarem uma tecnologia chamada "endomicroscopia confocal a laser baseada em sonda ou pCLE" (ferramenta que dá aos pesquisadores uma visão microscópica dos tecidos vivos) para remover o pâncreas e o ducto biliar acometidos por câncer, observaram na técnica de imagem espaços cheios de líquido no tecido conjuntivo, sustentados por fibras de colágeno. Posteriormente, esses mesmos espaços cheios de fluido foram identificados em outras amostras de tecido conjuntivo retiradas de outras partes do corpo, como abaixo da pele, nos pulmões etc. Os especialistas acreditam que esses espaços podem agir como amortecedores para proteger os tecidos durante as funções diárias, assim como possuem células que fabricam colágeno e também têm propriedades das células que revestem os vasos sanguíneos. Um fato interessante é que, no estudo, os pesquisadores levantaram a hipótese de que o interstício seja um meio de propagação de células cancerígenas.
Ambos os estudos propuseram uma nova visão sobre o interstício e o mesentério, sendo que pesquisadores sugeriram a classificação de tais componentes do corpo humano como órgãos. Entretanto, será necessário verificar se mais estudos também sustentarão tal proposta e se as sociedades e associações de anatomia tomarão os argumentos dos estudos citados como suficientes para classificarem o interstício e o mesentério como órgãos.
Referências Bibliográficas:
- BENIAS, Petros C. et al. Structure and distribution of an unrecognized interstitium in human tissues. Scientific reports, v. 8, n. 1, p. 4947, 2018.
- COFFEY, J. Calvin; O'LEARY, D. Peter. The mesentery: structure, function, and role in disease. The lancet Gastroenterology & hepatology, v. 1, n. 3, p. 238-247, 2016.
- TORTORA, Gerald J. Princípios de Anatomia Humana. 12ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013.